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Um defeito de cor - Ana Maria Gonçalves

Era uma vez um livro que se fez samba, que se fez enredo, que se fez asas para voar no carnaval da Portela em 2024. Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, não é apenas um livro, é um rio que corre dentro da gente, uma história que se entranha na alma e não larga mais. É a saga de Kehinde, mulher que carrega o peso do mundo nos ombros e, ainda assim, não para de caminhar. Uma africana arrancada da sua terra, do Reino do Daomé, hoje Benin, e lançada à sorte cruel da escravidão na Ilha de Itaparica, na Bahia. Mas Kehinde não é só dor, é também resistência. É amor que não se rende, é busca que não descansa. É uma mãe em busca do filho perdido, é uma mulher em busca de si mesma.




Ana Maria Gonçalves escreve com uma voz que parece vir de outro tempo, como se fosse Kehinde mesma a segurar a pena e a despejar no papel todas as suas memórias. A captura, o navio negreiro, a vida sob o jugo da escravidão, os amores que nascem e morrem, as desilusões que cortam como faca, as viagens que são ao mesmo tempo físicas e espirituais. E, no meio de tudo isso, a luta pela liberdade. A carta de alforria que não é só um papel, mas um símbolo de uma vida refeita. A volta à África, onde Kehinde se reinventa, se torna empresária, mulher de negócios, dona do seu destino. Mas a África já não é a mesma, e ela também não. A vida é isso: um constante partir e chegar, um constante perder e encontrar.


Kehinde é inspirada em Luísa Mahin, figura quase lendária, mãe do poeta Luís Gama e guerreira na Revolta dos Malês. Mas Kehinde é também todas as mulheres que carregam consigo a força de quem sabe que a vida é feita de ciclos, de idas e vindas, de perdas e ganhos. Ana Maria Gonçalves não nos dá apenas uma personagem, nos dá um espelho. Um espelho que reflete a história do Brasil, a história da diáspora africana, a história de todos nós.


O livro, vencedor do Prêmio Casa de las Américas e eleito pela Folha de S.Paulo como um dos 200 mais importantes para entender o Brasil, é mais do que uma obra literária. É um monumento. Um retrato dolorido, mas necessário, de oito décadas de formação de uma sociedade que ainda carrega as marcas do seu passado. Em 2022, o Museu de Arte do Rio (MAR) dedicou-lhe uma exposição, como quem dedica um altar. E agora, em 2024, a Portela leva essa história para a avenida, transforma-a em samba, em cores, em movimento. Porque Um defeito de cor não é só para ser lido. É para ser vivido, cantado, dançado. É para ser lembrado. Sempre.


Em 2002, Ana Maria Gonçalves, nascida em Ibiá, Minas Gerais, no ano de 1970, decidiu cortar as amarras. Deixou para trás a agência de publicidade onde trabalhava em São Paulo, cidade que respira pressa, e partiu. Isolou-se na Ilha de Itaparica, na Bahia, onde o tempo parece desacelerar, onde o mar beija a terra com calma. Ali, durante seis meses, mergulhou na escrita do seu primeiro romance, Ao lado e à margem do que sentes por mim. Um livro que nasceu íntimo, quase secreto, como um diário aberto para poucos. A edição foi artesanal, cuidada com as mãos, e ela mesma, Ana Maria, vendeu-o pela internet, como quem entrega um pedaço de si a desconhecidos.


Mas foi em 2006 que o seu nome ecoou mais forte. Com Um defeito de cor, publicado pela Editora Record, Ana Maria não apenas escreveu um livro — ela criou um mundo. Um mundo que lhe valeu o prestigioso Prêmio Casa de las Américas e um lugar na lista da Folha de S.Paulo, como o sétimo entre os 200 livros essenciais para entender o Brasil em seus 200 anos de independência. Um livro que é uma janela para o passado, mas também um espelho para o presente. Uma obra que não se contenta em ser lida; exige ser sentida.


Ana Maria Gonçalves não parou. Em 2016, a sua peça inédita, Tchau, querida!, ganhou vida numa leitura dramática dirigida por Wagner Moura, homem que sabe dar voz às palavras. E, em 2017, colaborou com textos para Chão de pequenos, peça da Companhia Negra de Teatro, dirigida por Tiago Gambogi e Zé Walter Albinati. Cada projeto, um passo. Cada palavra, uma semente. Ana Maria Gonçalves é assim: mulher que escreve, que cria, que transforma. E o faz com a força de quem sabe que as histórias não são apenas para ser contadas, mas para ser vividas.


Disponível no LULALIVROS.PT


FICHA TÉCNICA

  • Editora ‏ : ‎ Record;

  • 28ª edição (3 maio 2006)

  • Idioma ‏ : ‎ Português do Brasil

  • Capa comum ‏ : ‎ 952 páginas

  • ISBN-13 ‏ : ‎ 978-8501071750

  • Dimensões ‏ : ‎ 22.8 x 15.6 x 5.4 cm

 
 
 

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